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Eternamente Ilza
Eternamente Ilza

Eternamente Ilza

 

Eu sabia que tinha uma grande amiga. Só não sabia que ela tinha um valor tão imenso. Um valor que só vim a descobrir com a sua partida. Mas essa descoberta teve um preço. Um preço muito alto. Uma dor que doeu lá no fundo da minh’alma. Afinal, se... nem todos temos a grandeza de descobrir o grande valor daquilo que veio parar na nossa vida sem a perda de um ente querido... Infelizmente, faço parte desse time.

Estávamos no final da primeira quinzena do mês de junho. Aquela semana daria tudo pra ser uma semana especial, pois, pela segunda vez, em menos de um mês, eu ministraria a palestra “Como escrever um livro” próximo a minha comunidade.

Estava um pouco empolgado. Pois, fora a primeira vez que fazia o papel do palestrante, sem que eu notasse a importância de estar realizando, descobri, dias após, que aquilo foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. Afinal, descobri que sabia muito mais do que eu imaginava. Não que eu tenha me tornado um fera na literatura, mas o tempo que eu soube aproveitar durante a época em que estava escrevendo meu primeiro livro, foi fundamental para mim. Pois, naqueles meus tempos de estudos, não estaria apenas aprendendo uma única coisa para me aperfeiçoar no primeiro livro, mas sim, algo  que carregaria para sempre na minha bagagem. Tanto para o primeiro, quanto para os que viessem adiante.

Na trajetória do meu primeiro livro conheci uma grande amiga. E bota amiga nisso. Tive a oportunidade de conhecê-la nos seus últimos nove anos de vida. Anos surpreendentes. Nunca a vi de baixo astral. Muito menos reclamar da vida. Para ela tudo era otimismo. Tudo caminhava como deveria estar. Pois acreditava que se algo em nós viesse a nos surpreender de alguma forma que não gostaríamos que fosse, isso não era motivo para nos abalarmos. Pois, o plano de Deus ou daquilo em que teríamos fé, estava à cima de todas as coisas e se isso aconteceu ou deixou-nos de acontecer, é porque Deus sabe o motivo e lá na frente, "Ele" estará nos preparando para alguma coisa que realmente fôssemos merecedores.

Ilza, era esse o seu nome. Essa, eu jamais esquecerei. Não por ela já ter partido. Mas, sim, pela maravilhosa amizade que Deus me deu, a de conhecê-la.

Na segunda palestra que iria dar, já no início da semana que isso ocorreria, eu a encontrei e por incrível que pareça, Ilza demonstrou um grande interesse em participar da palestra.

Dizia ela que essa vontade já existia desde a primeira palestra. Mas como não deu... Na segunda, ela gostaria de estar presente. Porém, a necessidade de ter que fazer uma viagem junto de seu esposo e sogra, novamente a impediu de participar. Mas que era para informá-la da próxima. Afinal, estaria ela muita curiosa para ver como eu me sairia em frente ao público, explicando aquilo que há anos aprendi entre quatro paredes.

Nesse dia, pouco conversamos, afinal, dali a alguns segundos, teria ela que se arrumar para dar aula numa escola bem próxima dali. E eu, já pelo caminho a tomar, teria apenas alguns segundos para fechar alguns detalhes com o responsável pelo local da palestra daquela semana.

Crentes que nos viríamos ainda por aqueles dias, numa simples despedida, nos despedimos.

A semana passou. Estávamos na véspera do dia da segunda palestra. Nesse dia estava eu de serviço. Como trabalhava em escola e nesse dia era um feriado, resolvi levar alguns materiais para montar em “flashart” a matéria da palestra.

De vício conquistado na trajetória de conversar em público, um dia antes, preparava-me falando em voz alta, era como se já estivesse em público, explicando a matéria.

Naquele momento, eu bem que percebia uma coisa estranha. Parecia que eu não estava sozinho. Sentia e muito que além de mim, estaria alguém a mais, assistindo a minha preparação. Ilza, não saía da minha cabeça. Mas, pensava eu que era por causa da nossa última conversa. Afinal, ela demonstrava muita curiosa em me ver como palestrante. E eu, ali dando o máximo, sempre dava uma gaguejada. Algo que me preocupava, vai que aquela gaguejada voltasse a se repetir em frente ao público.

Ilza continuava a não sair da minha mente. A sensação de que alguém a mais estaria por ali, também. Por mais que seria impossível, pois, por ali só estaria eu. Era um feriado e fui eu mesmo que fechei a escola no dia anterior.

Aquilo não me amedrontou. Com a tarefa que tinha para fazer, procurei exercê-la, até que viesse a finalizá-la. Já que no dia seguinte teria que ter a matéria em mãos.

O dia continuava a prosseguir. As horas se passavam. Dali a algumas horas, meu expediente viria a se encerrar. Com as horas se passando, não sei como explicar, mas eu sentia e muito que realmente não estaria sozinho. Não era Deus. Junto àquela sensação, esse alguém procurava me avisar que naquela noite ao chegar em casa, um acontecimento muito triste estaria me aguardando. Como não tinha noção do que seria, não dei muita importância. Afinal, aquele recado parecia muito real. Mas, como não era ninguém materialmente me alertando, evitava a me ater naquilo.

O expediente se encerrou. Como de rotina, fui para o ponto de ônibus, aguardar a condução passar. Aquele sentimento voltou a me sensibilizar. Não queria me abater com aquilo, mas, aquilo mexia fortemente comigo. Por mais que minha mente não entendia, minha alma já aparentava enxergar algo à vista e sabia que aquilo não era um sentimento normal. Resultado que infiltrou uma angústia muito grande dentro do meu peito.

A condução chegou. Já próxima a mim, dei o sinal e logo a tomei com destino a minha casa. Próximo ao portão de casa, a angústia me sufocou de vez, mas, como nada até àquele momento teria se concretizado na minha vida, mesmo com a tristeza, entrei para dentro de casa, atravessei da sala para a cozinha, pois, esse trajeto era impossível de não realizar. Próximo à mesa da cozinha, uma das minhas irmãs chamou-me, dizendo:

— É melhor você se sentar! Pois tenho uma notícia muito triste para te dar.

Não dei muita atenção. Não liguei aquela conversa com o sentimento que havia dominado o meu coração. Continuei caminhando para o meu quarto. Recusando o convite.

Porém, como não houve resposta da minha parte, minha irmã foi direto ao assunto:

— A Ilza, aquela sua amiga da Moabe, morreu.

— Até parece mesmo, ainda esta semana, estava de conversa com ela. – contestava eu, acreditando que minha irmã estivesse de gozação com a minha cara. Pois, em casa tínhamos certa mania de inventar que “fulano”, “beltrano” ou “sicrano” havia morrido e na hora da “agá”, nada era real.

Se em minha irmã não queria eu acreditar, após minhas últimas palavras, o telefone tocava. Era Júlio meu amigo. Amigo de Ilza também.

Corri para atendê-lo:  

— Já soube da maior? – perguntava ele. Sem ao menos me dar uma pausa para eu responder. — A Ilza morreu.

Aquilo foi um baque. Parecia que o mundo havia desabado em minha cabeça. Pois eu não queria acreditar. Afinal, Ilza aparentava e muito ter uma saúde de ferro. Nunca, nesses nove anos que a conheci, ouvi de sua boca alguma coisa que fosse problema de saúde ou outra coisa que pudesse causar sua morte.

Mas infelizmente, a vida mais uma vez me surpreendeu. Ilza não nos deixou por saúde. Foi por acidente. De retorno pra casa, após a viagem que estaria fazendo em companhia do esposo com a sogra, num grave acidente eles se chocaram e ela não resistindo no exato momento, morreu.

Não queria acreditar. Mas, afinal, quem era eu? Pois na realidade o seu dia de partida havia chegado e sua missão era nos deixar por aqui.

Tenso com a notícia, em poucas palavras desconjurei do recado. Mas fazer o quê? Era real. O sufoco era grande. Assim que desliguei o telefone fui à casa dela. Confirmar tudo de perto. Mas não encontrei seus familiares. Os que encontrei foram seus vizinhos, mais tensos do que eu, pois, a Ilza que conheci nesses nove anos, era a mesma a todos que a conheciam.

O sufoco virou choro. Somente, ali, pude ligar aquele pressentimento da tarde com aquele momento.

Ilza partiu deste mundo.

Aquela sensação não era sensação. Era ela, me preparando para a sua partida. Afinal, tínhamos uma forte amizade. Sem falar que era ela que estaria corrigindo o primeiro livro escrito por mim.

Perder a pessoa que fazia a correção do meu livro, para mim não era tão importante quanto à perda dessa grande amiga. Chorei muito durante aquela semana. Numa daquelas noites, a angústia  foi tão grande, que às vinte e duas horas, tive que ligar para um outro amigo meu, Paulo, precisei e muito de seu ombro amigo. Pois, ele sabia a dor que a perda daquela amiga havia causado em mim.

Já se passaram meses. Até hoje eu não a esqueci. Parece que foi ontem, nossa última despedida. Pois até hoje eu me lembro daquele semblante sempre otimista dela. No seu velório foi impossível eu não comparecer, pois, precisava e muito despedir daquela amiga. E se eu não fosse, a dor seria maior. Pois, ela não era apenas uma amiga. Foi um anjo de Deus que passou em minha vida. Com ela muitas coisas pude aprender, principalmente: “nunca deixar de acreditar em Deus e nos meus sonhos”.

Valeu a pena conhecê-la. A única coisa que não valeu foi deixar passar despercebida nossa última despedida. Apenas com um tchau, comprometendo-nos de nos vermos em uma das minhas palestras.

A palestra daquela semana tive que apresentar, mesmo arrasado, pois, essa apresentação era um ponto para o projeto do livro que naquela época havia escrito. No meio da palestra, entre as palavras que estaria por ali falando, soltei uma frase que no nosso último encontro havíamos conversado. Aquilo foi fatal! Na hora recordei! Tive que dar uma pausa, pois, palavras já não saíam mais da mim. Respirei fundo. Pedi forças pra Deus. Pois, se Ilza estivesse viva, saberia eu que naquele momento seria ela me aconselhando para me apegar a ele, não deixando que aquele nervosismo acabasse com o meu momento.

Arrasado, quase não me segurei e por pouco quase não dei um basta naquela palestra! Mas o exemplo de sua passagem em minha vida me fez voltar atrás, apegando-me em Deus e mesmo rastejando caminhei em busca de minha meta. O público percebeu que alguma coisa de errado havia comigo. Nervoso, procurei me acalmar. Explicando o fato para eles e pedindo-lhes desculpas, diante de tudo o que havia acontecendo. Só Deus para me dar forças mesmo! Até hoje eu não sei o que o público daquela palestra guarda de mim. Mas aquilo também vai ficar gravado em meu peito. Porque Ilza se foi, e eu jamais poderia imaginar o valor que aquela brava guerreira até hoje provoca em mim.